Efeitos das Gorduras no Organismo
INTRODUÇÃO
As gorduras (lipídios) são substâncias muito abundantes em animais e vegetais, são oleosas, insolúveis em água e não-voláteis. Compreendem os óleos, as gorduras e outras substâncias semelhantes aos lipídios (KATCH & McARDLE, 1996). Os lipídios são considerados constituintes importantes da dieta, não só pelos seus elevados valores energéticos, como também pelas vitaminas lipossolúveis e ácidos graxos essenciais | |
contidos na gordura dos alimentos naturais. No organismo, a gordura serve como fonte eficiente de energia quando armazenada no tecido adiposo. Serve como material isolante nos tecidos subcutâneos em volta de certos órgãos e os lipídios não polares atuam como isolantes elétricos que permitem a rápida propagação das ondas de despolarização ao longo dos nervos mielinizados. O teor de gordura do tecido nervoso é particularmente elevado. As combinações de gordura e proteína (lipoproteínas) são constituintes celulares importantes, ocorrendo tanto na membrana celular como na mitocôndria, dentro do citoplasma, servem ainda, como meio de transporte dos lipídios no sangue. O conhecimento da fisiologia dos nutrientes, e em particular dos lipídios, é importante no entendimento das relações de muitas áreas biomédicas de interesses comuns; por exemplo: obesidade, aterosclerose, utilização de gorduras durante o exercício e a função de vários ácidos graxos poliinsaturados na nutrição e saúde (FOX & KETEYIAN, 2000; SCHAUF, MOFFET & MOFFETT, 1993). |
O presente estudo de revisão também analisa os efeitos metabólicos do consumo de alguns alimentos na área fisiológica dos lipídios.
DISCUSSÃO
A maior parte das gorduras naturais é constituída por 98 a 99% de triglicerídios que são, primariamente, constituídos por ácidos graxos (cadeias retas de hidrocarbonetos terminando num grupo carboxila e na outra extremidade um grupo metila) cuja nomenclatura, extensão da cadeia e grau de saturação traçam um perfil diferenciado entre si, incidindo fortemente no seu grau de importância (KATCH & McARDLE, 1996; McARDLE, KATCH & KATCH, 1998).
Quanto á extensão da cadeia os ácidos graxos classificam-se em ácidos graxos de cadeia curta com 4 a 8 átomos de carbono (gorduras de laticínios); cadeia média, de 8 a 12 carbonos (óleo de coco e de palmeira) e os de cadeia longa, mais de 12 átomos de carbono (muitos tipos de gorduras de origem animal). A existência ou não de duplas ligações na cadeia determina o grau de saturação do ácido graxo saturado (nenhuma dupla ligação), insaturado (com uma ou mais duplas ligações), monoinsaturado (com apenas uma dupla ligação) e os poliinsaturados (contém duas ou mais duplas ligações), segundo KRUMMEL (2000) e KATCH & McARDLE (1996).
A ênfase dada aos ácidos graxos poliinsaturados dá-se ao fato do organismo humano não poder sintetiza-lo. As duas classes de ácidos poliinsaturados essenciais (PUFA) são o ômega-6 (a linoléico) e o ômega-3 (a linolénico e derivados), conforme FULLER & JIALAL (1994). O ácido linoléico é comum no reino vegetal, especialmente em sementes vegetais, enquanto que o linolênico e derivados podem ser encontrados em folhas, em poucas sementes oleoginosas, mas principalmente em peixe de águas geladas de grande profundidade.
A conhecimento do transporte e armazenamento do lipídio torna-se indispensável à compreensão da proposta em estudo. Sabe-se que quase todos os lipídios da dieta são absorvidos da mucosa intestinal para o sistema linfático, exceto os ácidos graxos de cadeia média, que são absorvidos diretamente para circulação portal, atravessando o sistema linfático. O transporte para a linfa ocorre através dos quilomícrons (são as lopoproteínas sintetizadas pelas células intestinais, contendo cerca de 70% de triglicerídios, fosfolipídios, colesterol e seus ésteres) com uma pequena quantidade de proteínas (MONTEIRO & ROSADO, 1993; SCHAUF, MOFFET & MOFFETT, 1993; KATCH & McARDLE, 1996; McARDLE, KATCH & KATCH, 1998). As poliproteínas A e B absorvidas para sua superfície externa e conduzidas pelo sangue venoso para o fígado ou removidas para o tecido adiposo. No fígado, os lipídios podem ser metabolizados, armazenados ou convertidos a lipoproteínas que são transportadas no sangue para os tecidos.
As lipoproteínas são classificadas em quatro tipos:
quilomícrons;
alfalipoproteínas ou HDL (high density lipoprotein) ou LAD (lipoproteína de alta densidade) contêm mais proteína e menor quantidade de colesterol e triglicerídios;
betalipoproteínas ou LDL (low density lipoprotein) ou LBD (lipoproteína de baixa densidade) contêm mais colesterol e triglicerídios do que proteínas;
prebetalipoproteínas ou VLDL (very low density lipoprotein) ou LMBD (lipoproteína de muito baixa densidade) contêm mais triglicerídios do que colesterol.
Juntos, esse complexo de triglicerídios, colesterol, fosfolipídios e proteína é chamado lipoproteína, sendo diferenciado quanto ao local de síntese e distribuição percentual de seus elementos (BARBANTI, 1990; MONTEIRO & ROSADO, 1993; POLLOCK & WILMORE, 1993; KATCH & McARDLE, 1996; McARDLE, KATCH & KATCH, 1998).
A alta densidade da HDL tem uma ação protetora na aterosclerose, estudos comprovam que estas lipoproteínas removem colesterol sérico para o fígado antes que ele possa depositado em uma placa, foi sugerido que a HDL poderia não estar ativamente envolvido na prevenção do acúmulo da placa de colesterol, mas que níveis mais elevados apenas seriam reflexo de um sistema de transporte saudáveis que não levaria à aterosclerose (KRUMMEL, 2000).
As correlações populacionais entre colesterol total e LDL são fortes. Os níveis de lipoproteínas considerados de risco para coronariopatia (CHD) são: LDL acima de 130 mg/dl, HDL abaixo de 35 mg/dl e colesterol total acima de 200 mg/dl. Proporções entre colesterol e LDL ou HDL são usadas como pontos além dos quais deve ser instituída terapêutica dietética associada à atividade física para reduzir o nível de CHD. Quando o colesterol total está entre 200 e 400 mg/dl a proporção colesterol total: HDL aumenta em 3 a 4 vezes o risco de cardiopatia do que LDL isoladamente e 5 a 6 vezes do que o colesterol total isolado. A HDL reduzida na presença de LDL elevada favorece o uso de drogas para tratamento. Os pacientes devem ser aconselhados a deixar de fumar, reduzir o peso, se forem obesos (HDL reduzido e LDL elevado), aumentar o exercício caso sejam sedentários (na prática de exercícios físicos ocorre aumento da lípase da lipoproteína; aumenta HDL e diminui a LDL) e evita o uso de esteróides anabolizantes), de acordo com KRUMMEL (2000) e POLLOCK & WILMORE (1993).
Estudos epidemiológicos foram desenvolvidos a partir da associação das gorduras da dieta com a incidência de CHD mostrando que populações com reduzida cardiopatia consumiam dietas pobres em gordura total, gordura saturada e colesterol. Nunca foi encontrada nenhuma população que subsistisse com uma dieta pobre em gorduras e que tivesse altos níveis de colesterol ou alta freqüência de ataques cardíacos. A influência dos ácidos graxos no desenvolvimento do colesterol sérico é medida em termos de seus variados grupos de saturação que influenciam nos níveis de LDL e HDL em formas diferentes. Os ácidos graxos saturados tendem a elevar tanto a LDL como o HDL. No entanto, o efeito parece estar limitado a ácidos graxos com comprimento de cadeia entre 10 e 18 cabonos, os mais aterogênicos são o mirístico (C-14) e o palmítico (C-16). O ácido esteárico (C-18) é uma exceção porque ele é desnaturado em ácido oléico (ácido graxo monoinsaturado) tão rapidamente que não tem efeito de elevação do colesterol. O ácido esteárico é o ácido graxo saturado mais comum na carne (20%), óleo de coco e manteiga do cacau; como nestes alimentos também encontramos ácido palmítico eles continuam a elevar o colesterol sérico (DENKER,1994; KATCH & McARDLE, 1996 ). Estudos realizados por DENKER (1994) mostraram que o chocolate não aumentou a concentração de LDL tanto quanto se prognosticou, pelo total de ácido graxo saturado contido em sua estrutura; o tipo de ácido graxo saturado mostrou a reação diferenciada, o ácido esteárico rapidamente se transforma em ácido oléico. Ainda neste experimento foi feito um estudo comparativo entre o chocolate, os óleos vegetais, a carne e a manteiga; observou-se que o conteúdo do ácido palmítico do chocolate em relação a todos estes alimentos somente é maior do que nos óleos vegetais (azeite de oliva), e é justamente esta porção que proporciona no chocolate maior efeito aterogênico.
Durante muitos anos a utilização dos PUFA’s (ácidos graxos poliinsaturados) foi mantida pela capacidade de reduzir os níveis séricos de colesterol quando usados em substituição aos SFA (ácidos graxos saturados), o consumo praticamente dobrou nos últimos 90 anos. Os PUFA’s tornaram-se foco de muitos interesses quando se voltou a atenção para a população de esquimós na Groelândia, cujas ingestões elevadas de óleos de peixe estavam associadas com a baixa incidência de CHD (KATCH & McARDLE, 1996). Os PUFA’s ômega-3 pareciam reduzir os níveis de triglicerídios plasmáticos, provavelmente pela inibição da síntese de VLDL, qualquer efeito de redução de LDL está relacionado com seu deslocamento de SFA. Não adianta apenas adicionar PUFA’s ômega-3 à dieta sem reduzir, simultaneamente, o SFA. Estes ácidos, altamente insaturados (Eicosapentaenóico e Docosahexaenóico) são precursores de prostaglandinas (um grupo de componentes semelhantes ao hormônio, que participam na regulação da pressão sanguínea, freqüência cardíaca, dilatação vascular, coagulação sanguínea, lipólise, resposta imunológica e sistema nervoso central), que interferem na coagulação sanguínea. Ingestões excessivas de PUFA’s resultam em tempos de sangramento prolongados, uma condição comum em populações esquimós com altas ingestões dietéticas (FULLER & JIALAL, 1994; KATCH & McARDLE, 1996).
Um significativo número de dados acumulou-se ao longo de dois anos atestando a neutralidade dos ácidos graxos monoinsaturados na elevação dos níveis de colesterol sérico. Estudos mais recentes mostram que, quando substituímos os ácidos graxos saturados por monoinsaturados os níveis de LDL diminuem enquanto HDL permanece inalterado. Uma dieta contendo 20% de gorduras reduziu o colesterol total e LDL, mas elevou o triglicerídio reduzindo, significativamente, o HDL; numa outra dieta, com 40% de Kcal de gordura 43% dos quais foram monoinsaturados apresentou redução do colesterol total e LDL, mas não teve qualquer efeito sobre os triglicerídios ou HDL. Esses novos achados polemizam a questão da relação consumo ácidos graxos poliinsaturados, monoinsaturadsos e saturados. Os monoinsaturados da dieta ocorrem quase exclusivamente na forma de ácido oléico que constituem cerca de metade (45%) da dieta norte americana. Alguns óleos vegetais como oliva canola são muito ricos em monoinsaturados. Experimentos usando éleo e margarina de canola (monoinsaturado) apresentaram um potencial de produzir significantes e proveitosas mudanças do perfil lipoprotéico, particularmente em indivíduos que tem hipercolesterolemia. Num grande inverno na Antártica o uso do óleo da canola e margarina acima do período de 13 semanas foi associado com a diminuição de 67% no colesterol total, 10% na redução do LDL e poucas mudanças no HDL (MATHERSON et alii, 1996).
Um outro enfoque importante dos lipídios está nos processos de oxidação. A permanente oxidação, a níveis elevados na LDL, promoverá em ação prolongada um atraso na reação lipídica (FULLER & JIALAL, 1994). Assim, num processo seqüenciado os oxidantes vão se acumulando e formam-se os radicais livres que, preferencialmente, atacam os antioxidantes (a tocoferol, b caroteno, ácido ascórbico) comprometendo outros tecidos e levando a destruições. Quando a vitamina E (a tocoferol) é oxidada se transforma num radical livre (tocoferoxil), a vitamina C vai diminuir o tocoferoxil fazendo com que ele volte a ser a vitamina E. Indivíduos com problemas cardíacos tem baixo níveis de vitaminas oxidantes no sangue. O LDL, a partir do ataque dos radicais livres, formam produtos que vão continuar a oxidação de outras lipoproteínas nas membranas (FULLER & JIALAL, 1994). O LDL oxidado aumenta a atividade da Acetil- CoA e a esterificação do colesterol, proporcionando a entrada de colesterol na célula. A vitamina E promove a contraposição destes efeitos; diante disto, nos pacientes cardiopatas sugerem a suplementação das vitaminas C e E em dosagens de 500 mg/dia e de 100 a 170 mg/dia respectivamente, sem configurar megadoses.
Trabalhos recentes tentam provar a ação do vinho tinto como protetor da oxidação do LDL, embora não exista comprovação quanto a estes estudos (RIJKE et alii, 1996).
CONCLUSÀO
O avanço das ciências propiciou uma série de mudanças e o surgimento de uma análise diferenciada dos lipídios em todo aporte calórico do indivíduo. Uma busca incansável tenta definir da melhor forma possível as cotas dietéticas consideradas ideais. Hoje, a visão unânime de que a seleção dos lipídios é indispensável acompanha a necessidade de se manter a distribuição 1:1 em relação aos monoinsaturados, poliinsaturados e saturados.
Faz-se necessária a continuidade de estudos capazes de evidenciar a importância da fisiologia lipídica no contexto do metabolismo humano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fonte: http:// http://www.saudeemmovimento.com.brBARBANTI, V. J. Aptidão física: um convite à saúde. São Paulo: Manole, 1990. 146p.DENKER, M. A. Effects of cocoa butter on serum lipids in humans historical higlihts. The American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v. 60, p.1014-1020, 1994.FOX, E. L., KETEYIAN, S. J. Bases fisiológicas do exercício e do esporte. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.FULLER, J. C., JIALAL, I. Effects of antioxidants and fatty acids on low-density-lipopeotein oxidation. The American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v. 60, p.1010-13, 1994.KATCH, F. I., McARDLE, W. D. Nutrição, exercício e saúde. 4. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1996.KRUMMEL, DEBRA. Nutrição na doença cardiovascular. In: MAHAN, L. K., ESCOTT-STUMP, S. Alimentos, nutrição & dioterapia. 9. ed. São Paulo: ROCA, 1998. p.525-567.MATHERSON, B., WALTER, K. Z., TAYLOR, D. McD., PETERKIN, R., LUGG, D., O’DEA, K. Effects serum lipids of monounsaturated oil and margarine inthe diet of an Antarctic expedition. The American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v. 63, p.933-941, 1996.McARDLE, W. D., KATCH, F.I., KATCH, L.V. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.MONTEIRO, J. B. R., ROSADO, L. E. F. P. L. Nutrição e doenças cardiovasculares. 2. ed. Viçosa: Imprensa Universitária, 1993. 52p.POLLOCK, M. L., WILMORE, J. H. Exercícios na saúde e na doença: avaliação e prescrição para prevenção e reabilitação. 2. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1993RIJKE, B. Y., DEMACKER, N. M., ASSEN, A. N., SLOOTS, M. L., KATAN, M. B., STALENHOEF, F. H. Rede wine consumption does not affect oxidizabitity of low-density lipoproteins in volunteers. TheAmerican Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v. 63, p.329-334, 1996.SCHAUF, C. L., MOFFETT, D. F., MOFFETT, S. B. Fisiologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993.
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